quinta-feira, 24 de agosto de 2017

Desabafo de uma Professora...

RELATO: DESABAFO DE UMA PROFESSORA, MULHER, MÃE, MILITANTE NO MOVIMENTO CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. *NOMES REAIS*

"Meu nome é Tatiana e eu sou militante pelo fim da violência doméstica na periferia desde os 20 anos. Sou professora a três anos. Desde então, tenho visto muita coisa. E quero dividir com todos a DOR de ver uma história que já não deveria ser comum. Mas é! Parece que para as outras pessoas, é.
A dois anos assim que entrei para dar aulas em uma escola estadual na periferia de um bairro próximo da minha casa, uma aluna criou um vínculo de confiança comigo que alimentava a desconfiança até em outros professores.
Nas sextas-feiras, dia em que nenhum aluno vai para escola no período noturno, ela lá estava. Ficara sozinha na escola. Conversava comigo e sempre que questionava os motivos de ela não estar em casa como os outros, ela dizia que qualquer lugar era melhor que sua casa. Eu sabia que ela ainda não estava pronta para contar o que havia de errado. A coordenadora da escola, incomodada com a tal aluna que agora além de vir trazia outro aluno consigo, resolveu se impor mesmo contra minha vontade.
Eu sabia que tinha algo errado. Mas eu era apenas a professora nova, bonitinha e ingênua (na visão da coordenadora com anos de “educação”). Ela impôs que se não havia aula nenhum aluno deveria ficar dentro da escola. Eu disse inúmeras vezes que isso era um erro. Que ela iria arrumar qualquer lugar para ir, apenas para não ficar em casa. Mas ninguém me deu ouvidos. Disseram que ela iria ficar em casa por falta de opção e que eu estava dando muita atenção a uma adolescente mimada.
Meses depois Aline largou a escola. Estava gravida de um sujeito que eu não conhecia, e muito mais velho.
Hoje encontrei a Aline. Aline está com três filhos, desnutrida, sofrida e sofrendo.
Me sinto despedaçada. Sinto que falhei. Sinto que fui omissa, que poderia ter feito algo para mudar esse destino tão triste.
As vezes quero gritar na cara de cada pai e mãe o que estão fazendo com suas filhas e filhos. Queria contar sobre os abortos, sobre as violências cometidas pelos namorados, sobre a falta de colo, sobre o motivo da raiva, sobre a falta de expectativas, sobre o medo que eles têm de falar com os próprios pais.
Através de seus relatos eu quero alertar os pais e mães sobre a falta que faz aqueles 30 minutos de conversa aberta. Ao menos por alguns dias, eu fui o colo de Aline. Aline precisava do colo da mãe que só fazia bater e culpa-la pela separação.

Eu prometi ajuda-la. Aline vai batalhar para voltar a ver bem a vida. Mas agora ela não está mais só. Tem três crianças que agora dependem de uma mulher, que é ainda uma menina.
Aline tem apenas 17 anos e está "morando junto" com um homem violento de 36. Com o consentimento da mãe de Aline ele a levou para casa dele quando ela estava prestes a completar 15 anos. Isso aconteceu, e acontece muito aqui na periferia de São Paulo."

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